Publicado
3 dias atrásno
Os bondes de Manaus representam um capítulo fascinante na história da capital amazonense, ligado diretamente ao apogeu do ciclo da borracha, quando a cidade vivia uma era de luxo e modernidade. Durante o início do século XX, Manaus destacou-se pela forte presença inglesa, evidente em estruturas como o cais flutuante do Roadway, ainda em uso, projetado para lidar com as variações de até 14 metros no nível do Rio Negro.
A abundância de dinheiro gerada pelo ciclo da borracha permitiu investimentos em infraestrutura e cultura, como a construção do Teatro Amazonas, em 1896, e do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, inspirado no Les Halles de Paris, ambos com materiais importados da Europa. Esses marcos, junto com a introdução dos bondes, simbolizavam a modernidade de Manaus em um período de grandes transformações.
Em 1895, o engenheiro inglês Frank Hebblethwaite obteve a primeira concessão para construir uma linha de bondes em Manaus. Ele importou três locomotivas a vapor da Inglaterra e instalou 16 km de trilhos nas avenidas da cidade. Um mapa dessa época indica cinco rotas de bondes identificadas por números romanos. O serviço, conhecido como Viação Suburbana, iniciou suas operações em fevereiro de 1896, utilizando dez veículos para passageiros e 25 para cargas.
Contudo, os bondes a vapor tiveram vida curta. Problemas técnicos e o avanço da eletrificação levaram à substituição desse sistema. Em 1898, Charles Ranlett Flint, um dos diretores da United States Rubber Company, instalou iluminação elétrica em Manaus e iniciou a construção de uma linha de bondes elétricos. Flint, Hebblethwaite e outros 13 investidores estadunidenses fundaram a Manáos Railway Company em Nova York, no dia 24 de fevereiro de 1898. O serviço de bondes elétricos entrou em operação comercial em 1º de agosto de 1899, tornando Manaus a terceira cidade brasileira e a quarta sul-americana a contar com bondes elétricos, depois do Rio de Janeiro, Salvador e Buenos Aires.
Em 1902, a Manáos Railway Company foi nacionalizada, passando a se chamar “Serviços Eléctricos do Estado”. Em 1909, o sistema foi novamente privatizado sob o comando da Manáos Tramways & Light Company, de Londres. A nova administração reconstruiu as linhas, construiu um novo abrigo para os bondes em Cachoeirinha e encomendou novos veículos da Inglaterra. Sob essa gestão, o sistema alcançou seu ápice, com a introdução de bondes modernos que circulavam em diversas rotas pela cidade.
Uma curiosidade interessante das imagens da época é a predominância da mão inglesa no tráfego, que vigorou em Manaus até por volta de 1930. Os bondes tornaram-se também uma opção de lazer: nas noites quentes, muitos manauaras aproveitavam as linhas suburbanas para desfrutar da brisa fresca da cidade, localizada praticamente na linha do Equador.
A história dos bondes de Manaus foi amplamente documentada por pesquisadores, como o norte-americano Allen Morrison, que cedeu raras imagens para o registro desse período. Três fotografias destacam-se:
O Bonde 53 da Manaos Railway: Esta imagem foi publicada na primeira edição da revista Amazônia Ilustrada, em 1983, editada no Rio de Janeiro.
“O Bonde e a Carroça”: Uma foto emoldurada publicada em julho de 1986 pelo Guia/Manaus/Guide, uma publicação bilííngue voltada ao turismo.
Cartão Postal do Início do Século XX: Cedido por Allen Morrison, retrata um bonde circulando pela Avenida Eduardo Ribeiro em direção ao Mercado e ao cais.
O advento do ônibus em Manaus, em 1939, marcou o início do declínio do sistema de bondes. Em 1954, os bondes elétricos foram temporariamente desativados devido a problemas energéticos, mas voltaram a operar em 1956. O serviço de passageiros foi oficialmente encerrado em 28 de fevereiro de 1957, embora algumas linhas tenham sido mantidas para transporte de cargas entre o Plano Inclinado e o depósito de Cachoeirinha. Em 1962, a Companhia de Eletricidade de Manaus desativou completamente o sistema, desmontando o cabeamento elétrico e encerrando uma era que durou 70 anos.
Um dos últimos resquícios dessa época é o Bonde 51 da Manaos Railway, que ficou exposto no Largo de São Sebastião antes de ser transferido para os jardins do Centro Cultural Teatro Chaminé, onde permanece como um marco histórico.
As imagens e documentos sobre os bondes de Manaus continuam a inspirar pesquisadores e moradores, preservando a memória de uma época em que a cidade se posicionou como um centro de modernidade e inovação na Amazônia.
Sou o idealizador do No Amazonas é Assim e um apaixonado pela nossa terra. Gravo vídeos sobre cultura, comunicação digital, turismo e empreendedorismo além de políticas públicas.