Publicado
8 anos atrásno
Por
Jussara Melo
No meio da Floresta Amazônica boliviana, um grupo de indígenas passa o dia caçando, pescando ou trabalhando em lavouras. Para a ciência moderna, esse estilo de vida pode, em parte, explicar a saúde cardíaca dos Tsimané.
Segundo o estudo, essa população possui os corações mais saudáveis do planeta, com os menores níveis de calcificação das artérias já registrados. Segundo a estimativa, um tsimané de 80 anos possui a mesma idade vascular que um americano com pouco mais de 50.
Em média, os adultos da tribo Tsimané possuem artérias que são cerca de 28 mais jovens que os ocidentais, segundo Randall Thompson, cardiologista do Hospital de St. Luke, em Kansas City, e coautor da pesquisa publicada na revista “Lancet”.
Os Tsimané têm população estimada em cerca de 6 mil membros, que vivem no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure, entre os departamentos de Beni e Cochabamba. No estudo, os pesquisadores visitaram 85 tribos entre 2014 e 2015. Eles mediram o risco de doenças cardíacas realizando tomografias computadorizadas em 705 adultos, com idade entre 40 e 94 anos, para avaliar a extensão do enrijecimento das artérias coronárias, além de medirem peso, idade, frequência cardíaca, inflamações e níveis de colesterol e glicose no sangue.
Com base nos resultados das tomografias, os pesquisadores descobriram que quase nove entre dez tsimanés — 596 dos 705 voluntários, ou 85% — não tinham risco de doença cardíaca; 89 (13%) tinham baixo risco; e apenas 20 indivíduos, o que representa 3% da amostra, tinham risco moderado ou alto.
Mesmo os idosos possuem os corações saudáveis. Entre os voluntários acima de 75 anos, cerca de dois terços — 31 de um total de 48, ou 65% — não tinham risco de doença cardíaca, e apenas quatro dos 48, ou 8%, apresentaram risco moderado ou alto. Esses resultados são os menores já relatados para o envelhecimento vascular em qualquer população do planeta.
Os estudos mostram que os indígenas sul-americanos Tsimané possuem a menor prevalência de aterosclerose (acúmulo de gorduras, colesterol e outras substâncias nas artérias) de qualquer população já estudada — disse o antropólogo Hillard Kaplan, da Universidade do Novo México e líder do estudo. — Seu estilo de vida sugere uma dieta com baixos níveis de gorduras saturadas e alta ingestão de carboidratos não processados ricos em fibras.
De acordo com a medicina, os principais fatores de risco para a aterosclerose são a idade, o fumo, altos níveis de colesterol, pressão alta, sedentarismo, obesidade e diabetes. Com os resultados, os pesquisadores propõem a inclusão de um novo fator:
Enquanto as populações industriais são sedentárias por mais da metade das horas despertas (54%), os Tsimané passam apenas 10% do dia inativos. Eles vivem num sistema de subsistência que envolve a caça, coleta de frutos e vegetais, pesca e lavoura. Os homens passam em média de 6 a 7 horas diárias em atividades físicas, e as mulheres entre 4 e 6 horas.
A dieta é baseada em carboidratos — 72% — e inclui carboidratos ricos em fibra, como arroz, banana, mandioca, milho, nozes e frutas. As proteínas constituem apenas 14% da dieta e provém de carne animal. A dieta é muito pobre em gorduras, que respondem por apenas 14% da alimentação, o equivalente a 38 gramas diárias, incluindo 11 gramas de gordura saturada e nenhuma gordura trans. Além disso, o fumo é raro entre a população.
Entre a população Tsimané, a frequência cardíaca, a pressão arterial, e os níveis de colesterol e glicose também eram baixos, provavelmente como resultado do estilo de vida. Os pesquisadores também notaram que o baixo risco de aterosclerose coronária foi identificado apesar dos altos níveis de inflamações, que atingem metade dos indivíduos avaliados.
— O pensamento convencional é de que a inflamação aumenta o risco de doenças cardíacas — disse Thompson. — Entretanto, a inflamação comum nos Tsimané não era associada com o aumento do risco de doenças cardíacas, e provavelmente era resultado de altos níveis de infecções.
De acordo com o estudo não é possível confirmar se a população Tsinamé é protegida geneticamente contra o envelhecimento cardíaco, ou qual parte do seu estilo de vida é mais protetivo. Contudo, os pesquisadores sugerem ser mais provável que a saúde do coração esteja relacionada com o padrão de vida, não com a genética. O temor é que o avanço da civilização torne os indígenas sedentários.
— Nos últimos cinco anos, novas estradas e a introdução de canos motorizadas aumentaram dramaticamente o acesso a comércios em cidades próximas para a compra de açúcar e óleo de cozinha — disse Ben Trumble, antropólogo da Universidade do Estado do Arizona. — Isso está introduzindo grandes mudanças econômicas e nutricionais na população Tsimané.
Nas grandes cidades, viver como um tsimané é praticamente inviável, mas pequenos hábitos podem ser mudados. Segundo Joep Perk, cardiologista da Universidade Linnaeus, na Suécia, que não participou do estudo, as pessoas podem “parar de fumar e fazer meia hora de exercícios intensos todos os dias, e isso já será uma grande ajuda”.
— Existe uma tendência de culpar os genes por problemas do coração, e o que esse estudo nos mostra é que você não pode culpar seus pais, apenas o seu estilo de vida — disse Perk.
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