Numa tarde de setembro Carmen Flores, a mãe Carmen de Oxum, foi recebida por bandidos armados e obrigada a destruir seu próprio terreiro de Candomblé em Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Bandidos destroem terreiro de Candomblé, “em nome de Jesus”- Imagem: Divulgação
Oxum, nas religiões de origem africana, é a entidade que representa fertilidade e amor, mas nesse dia o tom era de puro ódio nas ofensas à “diaba chefe”. Segundo a polícia, Carmen, de 66 anos, foi vítima da cada vez mais intensa cruzada que traficantes convertidos a religiões evangélicas pentecostais vêm travando contra praticantes de candomblé e umbanda no estado. Aterrorizada, a mãe de santo antecipou uma viagem planejada para o ano que vem e embarcou para a Suíça, onde tem amigos. “Fui expulsa pelo tráfico”, disse em entrevista a revista VEJA.
Ex-vendedora de roupas, mãe Carmen de Oxum, que é viúva, tem dois filhos e vive de aluguéis e doações de fieis, converteu-se ao candomblé aos 33 anos. Procurava um terreiro para curar dores que sentia na barriga. Bem estabelecida no meio, costuma viajar todo ano durante três meses, atendendo a fieis no exterior. “Vivo e, se precisar, morro pelo candomblé”, declara. Foi o primeiro ataque que sofreu, mas atentados a terreiros por parte de traficantes evangélicos não são novidade no Rio. Eles se intensificaram com o aumento da violência, com a ausência de policiamento no estado e com e a propagação de discursos de intolerância e ódio na internet.
Carmen voltava do mercado quando foi rendida por sete bandidos munidos de pistolas e barras de ferro. Eles filmaram a destruição e postaram o vídeo nas redes sociais. Em uma das imagens, um deles ordena: “Taca fogo em tudo, quebra tudo, que o sangue de Jesus tem poder”. Feito o estrago, disseram estar cumprindo ordens “do homem que não queria macumba” e foram embora. “Alguns vizinhos ainda aplaudiram”, descreve Carmen, desolada. A mãe de santo comandava aquele terreiro havia quatro anos. Depois da destruição, foi à delegacia, mas preferiu não formalizar o reconhecimento dos bandidos, por medo de represálias.
Da Suíça, com a ajuda de familiares, busca agora um espaço no Rio para alugar e guardar os objetos que conseguiu salvar.
A investigação policial continua e os bandidos foram identificados. “Mas o fato de ela não ter formalizado a queixa pode atrapalhar a ação penal, por falta de provas”, diz o delegado Adriano França.
Entre 2015 e 2016, o Disque 100, serviço do governo federal, registrou um salto de 36% em denúncias relacionadas à intolerância religiosa no Brasil e de 119% só no Rio.
Os casos se intensificaram no mês de setembro – Imagem: Divulgação
Outro caso aconteceu no dia (15/9) deste ano com a idosa Maria da Conceição Cerqueira da Silva, 65 anos, foi agredida a pedradas também em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Segundo a família, ela foi vítima de intolerância religiosa por parte de uma vizinha que não aceita a regilião praticada por Maria, que é candomblecista.
E essa intolerância se espalha pelo Brasil inteiro.