Memórias do Amazonas
O lado tenebroso da Belle Époque Baré
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12 anos atrásno
A Belle Époque (bela época, em português) foi um período de cultura cosmopolita na história da Europa que começou no final do século XIX (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. A expressão também designa o clima intelectual e artístico do período em questão. Foi uma época marcada por profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o quotidiano.
Foi considerada uma era de ouro da beleza, inovação e paz entre os países europeus. Novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, e a cena cultural estava em efervescência: cabarés, o cancan, e o cinema haviam nascido, e a arte tomava novas formas com o Impressionismo e a Art Nouveau. A arte e a arquitetura inspiradas no estilo dessa era, em outras nações, são chamadas algumas vezes de estilo “Belle Époque”. Além disso “Belle Epóque” foi representada por uma cultura urbana de divertimento incentivada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte , que aproximou ainda mais as principais cidades do planeta.
Esse movimento artístico cultural chegou à Amazônia durante o ciclo da borracha, quando uma pequena parcela do enorme lucro do comércio internacional do látex era usada pela elite dirigente local para construir uma insossa Paris Tropical. O principal marco material dessa época é o Teatro Amazonas, um projeto que tentava imitar a vida cultural parisiense e cuja pedra fundamental foi lançada no dia 14 de julho de 1884, exatamente a mesma data em que se comemorava, na França, o 95º aniversário da Queda da Bastilha. Essa ridícula macaqueação chegou ao ponto de inserir as datas francesas na história amazonense para fingir que por aqui, “Les jours de gloire est arrivé”, como diz a Marseillaise, o belíssimo hino francês.
Assim como o Teatro, as obras públicas eram projetadas para beneficiar os beneficiados, um grupo que misturava gente de bom nível cultural com um enorme contingente de ignorantes endinheirados que fingia gostar de ópera e teatro.
IMITAÇÃO PERVERSA
Esse plágio sócio-cultural, além de ser absolutamente incompatível com a identidade amazônica, ainda afundava o Estado em pesadas dívidas contraídas no exterior para erigir um progresso fictício que favorecia a corrupção. Os que denunciavam essa degradação moral, eram perseguidos e, entre esses heróis da resistência, está entronizada a figura de Heliodoro Balbi, que teve seu mandato de deputado cassado por proferir, na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, a contundente e definitiva frase: “O Amazonas é a Calábria da Pátria”. Morreu refugiado no Acre, em 26/11/1919.
Na escalada para beneficiar os beneficiados também se construiu o Palácio da Justiça, se importou um prédio para sediar a Alfândega e se contratou o arquiteto Gustavo Eiffel (o mesmo da famosa Torre), para elaborar o projeto do Mercado Público.
Essa frivolidade insana era incompatível com a Manaus de então, onde a quase totalidade dos habitantes não tinha dinheiro para freqüentar o Teatro, não tinha acesso à justiça, não usava bens importados pela Alfândega e não tinha poder aquisitivo para comprar seus alimentos no sofisticado Mercado. Um dos marcos da futilidade foi a importação de pedras (para pavimentar ruas, calcadas e praças) e árvores (frutíferas e de arborização).
A CENA E OS BASTIDORES
Na cena principal, os ricos e endinheirados, só usavam artigos importados e se divertiam em clubes de luxo ou assistindo peças de teatro e ópera. Com algum sadio devaneio é possível imaginar abastados seringalistas, “coronéis de barranco” e opulentos comerciantes, acompanhados das esposas semi ou totalmente analfabetas, usando caríssimas roupas européias, chegando ao Teatro, em carruagens douradas, para assistir um espetáculo oferecido para uma platéia boquiaberta e cheia de admiração subserviente por artistas que falavam uma língua que ela não entendia.
Nos bastidores sem charme a vida era marcada por uma perversa exclusão social, com os pobres morando na periferia aonde nunca chegou iluminação pública, água encanada, trilho de bonde, logradouros públicos bem cuidados, ruas arborizadas e calçadas, etc.
A cena e os bastidores são marcados por uma perversa distribuição de miséria e uma opulenta concentração de riqueza que chegou ao ponto de importar até mesmo as prostitutas (francesinhas, mademoiselles, polacas, etc.) porque as putas caboclas, índias e nordestinas (marafonas, mariposas, patuscas, mulheres de vida fácil) não eram dignas de saciar a sodomia dos ricaços.
A edição de 02/02/1906 do centenário Jornal do Commercio de Manaus (www.jcam.com.br) informava que o salário do trabalhador em Manaus era de 6 mil reis por dia, insuficiente para atender as necessidades da família. Em outro trecho da reportagem, diz o jornal: “É um horror! A cidade está cheia de indigentes que vivem ao sol e à chuva, pelos jardins e por todos os cantos da cidade, muitos atacados de febre e beribéri”.
O ciclo da borracha teve seu fim exatamente como se encerram todos os sistemas econômicos alicerçados no modelo “barata voa”, isto é, ao menor sinal de perigo todo mundo se manda.
Ficaram por aqui os noveaux riches que viraram noveaux pauvre e passaram a clamar pela internacionalização da Amazônia sem se importar com os excluídos da periferia da cidade, do hinterland e, principalmente, dos seringais habitados por nordestinos que Euclides da Cunha tipificou como “o homem que trabalhava para escravizar-se.
LIVROS ESSENCIAIS
Quem quiser fazer uma proveitosa caminhada por esse tema da história amazonense deve ler, pelo menos, os livros de:
- Agnello Bittencourt (Corographya do Estado do Amazonas);
- Ana Maria Daou (A belle époque amazônica);
- Antonio José Loureiro (Síntese da história do Amazonas);
- Ednéa Marcarenhas Dias (A ilusão do fausto. Manaus 1890-1929);
- Etelvina Garcia (Amazonas, notícias da história);
- Genesino Braga (Fastígio e sensibilidade do Amazonas de ontem);
- José Fernando Collyer (Crônicas da história do Amazonas);
- Marcio Souza (Breve história do Amazonas);
- Mario Ypiranga Monteiro (Teatro Amazonas);
- Paulo Marreiro Santos Junior (Pobreza e prostituição na belle époque manauara: 1890-1917);
- Otoni Mesquita ( Manaus- História e Arquitetura 1852-1910);
Texto por: Ozorio Fonseca
Sou o idealizador do No Amazonas é Assim e um apaixonado pela nossa terra. Gravo vídeos sobre cultura, comunicação digital, turismo e empreendedorismo além de políticas públicas.
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