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4 anos atrásno
Essa é a ilustração de capa, da Revista regional do Amazonas de 1926, “Redempção”, lançada em março daquele ano apresentando a tragédia fluvial do Vapor Paes de Carvalho. A ilustração foi baseada nos relatos, tanto dos passageiros sobreviventes quanto dos habitantes do Camará.
Os pacatos moradores do Distrito do Camará, o primeiro da Villa de Coary, no rio Solimões, não acreditavam no que viam durante aquela fria madrugada de inverno amazônico… Era 22 de março de 1926.
Numa distância de cerca de cem metros da margem, o navio vapor, Paes de Carvalho, vindo de uma longa viagem, iniciada há semanas atrás, na cidade de Belém do Pará, é consumido pelas chamas famintas de um incêndio infernal! Inimaginável.
Mas aquele povo do Camará teve que agir rápido, pois havia muita gente viva, ou lutando pra sobreviver, nas águas agitadas do rio.
O desespero tomou conta de muitos. Não restava outra saída, a não ser pular nas águas do Solimões! Foi o que muitos a bordo do navio fizeram. Ou pelo menos, os que conseguiram, pois muitos, findaram carbonizados. Homens, mulheres e crianças… Muitos índios, caboclos e nordestinos, muitos nordestinos. Mas na primeira classe havia gente graúda, rica, de boa família do Estado.
Os conhecidos moradores da Villa de Coary, Sebastião Salignac e o Capitão da Guarda, José Ribeiro da Silva, viajavam na primeira classe também. Dos dois, só o primeiro conseguiu, a nado, chegar à terra. O Capitão Silva deixou viúva e filhos à ocasião, infelizmente.
Aquela gente do Camará, pegou suas canoas e batelões, foram ao confronto, do rio e do naufrágio terrível e infernal, ao desafio de salvar vidas! Havia vários tipos de vidas a bordo, pois ,além dos humanos que viajavam, cargas vivas eram transportadas também! Equinos, bovinos, suínos e aves. Todos misturados aos pobres e desassistidos passageiros de terceira classe! Em geral, índios e nordestinos.
Às três horas e quarentena e cinco minutos, aquele inferno todo havia começado, com uma explosão na popa do Vapor! Por ser madrugada, a grande maioria dos passageiros dormia e, sonhava com a chegada a uma nova oportunidade, ou a sua Villa de destino. Logo estariam no porto do sobrado dos Dantas, na velha Villa! Ainda daria tempo de ir até a Praça Péricles de Moraes pra comprar algumas castanhas e outras guloseimas pra seguir viagem. Bastava atravessar a ponte do igarapé de São Pedro. Mas jamais chegariam a Villa naquela madrugada.
A viagem, a muitos, havia iniciado em Belém, porém só findaria em Cruzeiro do Sul, no Acre. Eram muitos nordestinos sem rumo, em busca de ficar rico com a ilusão do fatídico final do período áureo da borracha, que já tinha dado o que tinha que dá. Foi um acidente fatídico, sem medidas, apesar de que, o Vapor vinha abarrotado de combustível: líquido e pólvora! Uma verdadeira bomba relógio!
Disseram que havia 150 almas a bordo, mas naquele tempo, assim como hoje, já havia negligências! E o lucro também.
Enquanto o Paes de Carvalho subia, o Índio do Brasil baixava, estavam há apenas uma hora de se cruzarem, logo após a ilha da Botija… Ambos, os vapores, eram de uma mesma firma de navegação, uma firma inglesa.
Mas quando o Índio do Brasil se aproximava da beira, no lugar do Camará, viu um movimento mais do que fora de ordem àquela hora da manhã. Dia clareando, cheiro de fumaça no ar, mais gente do que o normal pela beira. Gritos, choros, angustia, muitos agasalhados com lençóis do povo da comunidade. A gente do Camará explicou que o Paes de Carvalho explodiu, próximo a ilha da Botija, baixou e afundou exatamente em frente a comunidade.
Tentaram salvar os que poderam, mas muita gente de Coary, Tefé, Belém, Manaus e do Acre, tiveram seu fim ali mesmo. Até mesmo os arigós, naquelas águas, ou no fogo medonho da madrugada.
O Índio não encontrou mais o Paes, muito menos João de Deus, o comandante do Vapor, que deixou uma viúva e nove filhos em Belém. Assim como tantos outros e outras também deixaram. O povo do Camará nunca esqueceu dessa história. Através dela, a comunidade ficou famosa, em jornais e revistas, de toda a região amazônica, e até do país! Tão cedo não seria esquecida.
Por muitas e muitas gerações, os moradores repassaram o ocorrido a seus filhos, netos e bisnetos.
Foi um fato que uniu gerações, por décadas, através da história oral. Se tornou o maior causo já ocorrido com aquela gente que ali vivia. Mas, após mais de noventa anos decorridos, o fato foi sendo esquecido, outros acidentes fluviais foram tomando a memória das novas gerações, da modernidade… Porém, os que buscarem no hoje, informações precisas sobre tal acontecimento, vão se deparar com um desfecho apresentado pela mídia daquela época, no mínimo, injusto, e até certo ponto pretensioso.
Os jornais deram notícias de que, o incêndio, começou com as cinzas do fumo de uma passageira idosa, da terceira classe. Acordou de madrugada, com vontade de fumar seu cachimbo, e assim, uma fagulha chegou até os barris de pólvora!
Quer dizer, a corda arrebentou pra uma mulher, cabocla, pobre, idosa, tabagista , culpada por terem entupido o vapor com combustível, e por terem ultrapassado a lotação máxima da embarcação. Sempre foi assim.
Referência
Blog – A Missão Solimões Japurá
Revista Redempção 1926
Revista Redempção, março de 1926.
Centro Cultural dos Povos da Amazônia
História oral do município de Coari:
Voz de seu Ary Dantas Alfaia
Látex – Romance de Marco Adolfs sobre
a tragédia do Vapor Paes de Carvalho/
Manaus – Editora Uirapuru 2004.
Sou o idealizador do No Amazonas é Assim e um apaixonado pela nossa terra. Gravo vídeos sobre cultura, comunicação digital, turismo e empreendedorismo além de políticas públicas.
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