Memórias do Amazonas
Conheça o que Manaus ainda carrega como uma herança da Belle Époque
Publicado
7 anos atrásno
Texto escrito por : Tânia Ramos taniaramos@otempo.com.br
“Uma capital que tem um teatro como principal atrativo turístico precisa desenvolver na própria população o gosto pela cultura”, disse-me Cindy Lourenço, contralto do Grupo Vocal do Coral do Amazonas, enquanto aguardávamos na fila para assistir à estreia da 14ª edição da Série Guaraná, uma programação gratuita de música clássica do Teatro Amazonas, que começou em 8 de agosto e se estende até junho de 2018.
Depois de me encantar no dia anterior com a magnífica construção em estilos renascentista (exterior), Luis XV e art nouveau (interior), de 1896, eu não poderia deixar Manaus sem antes conferir a acústica do teatro, considerada a melhor do país e a quarta melhor do mundo.
E não me decepcionei. Com um repertório que foi do barroco, clássico e romantismo ao contemporâneo, sob a batuta do maestro Marcelo de Jesus, a Orquestra de Câmara do Amazonas (OCA) passeou pelos virtuoses Georg Philipp Telemann, Wolfgang Amadeus Mozart, Nikolai Sokoloff e Steve Reich, apresentando as respectivas suíte “La Bizarre”, “Noturno” (tido como lado B de Mozart), “Segunda” Serenata para cordas e “Trens Diferentes”. Mais eclético, impossível, porém com uma execução perfeitamente harmônica, em um cenário perfeito.
A capital do Amazonas tem, entre tantas características únicas, mais essa singularidade: uma expoente performance erudita, seja na música ou na dança, divide as atenções com a multifacetária cultura popular, que engloba elementos de várias regiões do país – principalmente do Nordeste – e culmina com as ricas tradições indígenas, expressas ainda em costumes, artesanato e gastronomia.
Herança histórica
Literalmente no meio da floresta Amazônica, ladeada pelos rios Negro e Solimões, a Manaus que vemos hoje tem suas raízes fincadas no Ciclo da Borracha, que, por mais de 30 anos, gerou riquezas na região. No auge das exportações, a capital amazonense não só atraiu estrangeiros interessados na ambicionada matéria-prima como desenvolveu uma alta sociedade, os barões da borracha, com um gosto refinado por arte e arquitetura.
Logo, foi com essa inspiração que se ergueu o monumental Teatro Amazonas, destinado a ser uma casa de ópera que em nada deixava a desejar às similares europeias. Com inauguração oficial em 31 de dezembro de 1896, só em 7 de janeiro de 1897 o teatro recebeu seu primeiro espetáculo: “La Gioconda”, de Amilcare Ponchielli, encenado pela então famosa Companhia Lírica Italiana.
Pureza de som e riqueza de detalhes
Com o preciosismo de ter tido calçamento de tijolos de borracha no Largo São Sebastião e nas adjacências, para evitar que o barulho das charretes interferisse em sua acústica, o Teatro Amazonas destaca-se por suas dimensões colossais e riqueza de detalhes.
Nenhum luxo foi dispensado na construção renascentista. Sua estrutura é toda de ferro maciço – inclui o balcão curvo do saguão –, trazido da Inglaterra; no interior, pisos de madeira de lei, colunas de mármore de Carrara, vidro de Murano, pedras portuguesas, cobre e até acabamentos em ouro 14 quilates, boa parte ainda original. Os lustres de cristal daquela época, inclusive, fazem a iluminação até hoje.
O salão nobre, cujo piso reúne 12 mil peças de madeiras (cortadas e trazidas de Portugal), tem paredes decoradas com telas de linho lonado, representando a floresta amazônica – a principal delas faz alusão a “O Guarani”, ópera de Carlos Gomes. No teto, “O Olimpo dos Artistas”, uma pintura em perspectiva do italiano Domenico de Angelis, em que anjos sobrevoam a floresta amazônica.
Enquanto o salão da plateia principal, em forma de lira, leva a assinatura do pernambucano Crispim do Amaral, responsável pela pintura da cortina do palco, representando o encontro das águas, a rosácea do teto cria a impressão de se contemplar a Torre Eiffel de baixo para cima.
A cúpula do Teatro Amazonas, que sobressai na paisagem urbana manauara, é composta por 36 mil telhas vitrificadas em forma de escama de peixe, com as cores da bandeira do Brasil, provenientes da Alsácia.
Agora, com quatro reformas, o teatro continua recebendo nomes como o tenor espanhol Jose Carreras.
Prédio é marco da engenharia
De estilo eclético, com elementos medievais e renascentistas (reproduz os prédios londrinos do início do século XX), o conjunto da alfândega – todo em blocos pré-montados de tijolos aparentes, importados da Inglaterra – foi um dos primeiros prédios pré-fabricados do mundo.
Cinco museus num só espaço
O Palacete Provincial, de 1875, restaurado em 2009, abriga cinco museus: Pinacoteca do Estado do Amazonas, Museu da Imagem e do Som do Amazonas, Museu Tiradentes (retrata a história da corporação militar do Estado), Museu de Numismática e Sala de Exposição Temporária José Bernardo Michilles.
Era de ouro
Ciclo da Borracha. O acervo histórico de Manaus, como já foi dito, é uma herança do Ciclo da Borracha, o produto oriundo do látex, extraído da seringueira, que colocou a maior cidade do Norte do país na mira mundial – de 1879 a 1912, o Estado do Amazonas dominou o mercado da borracha.
Nossas sementes. O monopólio brasileiro começou a declinar em 1910, quando ingleses e holandeses iniciaram as plantações de seringueiras na Ásia (Sri Lanka, Malásia, Indonésia etc.), passando a ofertar o produto com preços mais competitivos.
Peixe como prato principal e até formiga de entrada
A capital amazonense, ao lado de Belém, no Pará, oferece uma das mais exóticas gastronomias do país. E saudável. Situada na maior bacia hidrográfica do mundo, Manaus tem nos peixes, como tambaqui, pirarucu e tucunaré, o carro-chefe de fonte de proteína.
São peixes que caem bem em qualquer versão: cozidos, assados ou à dorê, com exceção da temível piranha, que, na panela, só não pode facilitar com suas espinhas. Daí os restaurantes (e as donas de casa) preferirem servi-la como caldo, sendo uma excelente entrada.
De sabor mais delicado, o tambaqui figura em pratos sofisticados. Então, não deixe de provar a clássica costela de tambaqui ou o tambaqui com crosta de castanha e banana assada que eu saboreei no restaurante Banzeiro, um endereço de culinária regional em Manaus. Foi lá também que me arrisquei com uma entrada de formiga, da espécie saúva (servida com espuma de mandioquinha), que tem sabor de erva-doce.
Servido de restaurantes top a barracas de rua, o tacacá é o mais típico prato do Estado. Preparado à base de goma de tapioca, tucupi (caldo da mandioca-brava depois de eliminado o veneno cianeto) e jambu (folha que provoca dormência na boca), seus ingredientes, a princípio, assustam, mas o sabor, que ainda tem um toque de camarão seco, é ótimo.
Em sobremesas, sucos e sorvetes, prove as deliciosas frutas típicas como buriti, murici e, entre outras, cupuaçu.
Jantar de gala
Night pass. O cruzeiro Iberostar Grand Amazon (www.iberostar.com) vai lhe colocar diante da diversidade amazônica. Caso contrário, pode-se saborear o jantar do comandante, seguido de shows de música e danças regionais, ou ainda passar uma noite embarcado.
Preços. O night pass, às quintas, de 19h à 0h0, custa R$ 300 por pessoa; para ficar até 8h, sai a partir de R$ 600 (double) por pessoa. Inclui traslado Ponta Negra-navio.
Ir e vir. Manaus só é acessada pelo céu ou pelas águas. Assim, 80% de seu transporte é fluvial, feito hoje principalmente por embarcações denominadas “recreio”, nas quais se viajam por vários dias (dependendo do percurso) rio abaixo e rio acima. Sem cabines para acomodar os passageiros, elas são um verdadeiro atrativo pra se ver, com suas redes estendidas ao longo do convés.
Evolução. Ainda bem rústicos, os barcos recreio (a motor) são uma versão atualizada das antigas gaiolas (a vapor) que singravam os rios amazônicos na virada do século XIX, segundo o chefe de expedição do Iberostar Grand Amazon, Wenceslau Nascimento de Melo.
Sou o idealizador do No Amazonas é Assim e um apaixonado pela nossa terra. Gravo vídeos sobre cultura, comunicação digital, turismo e empreendedorismo além de políticas públicas.
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