Na Amazônia, um animal raro foi registrado por armadilhas fotográficas do Instituto Mamirauá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã. Foi o primeiro registro da ocorrência do cachorro-vinagre (Speothos venaticus) em florestas de Igapó da Amazônia.
cachorro-vinagre (Speothos venaticus)
O feito foi possível com a instalação de armadilhas fotográficas em diferentes pontos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, município de Maraã, no Amazonas. Os resultados foram publicados em setembro em artigo no Journal of Mammalogy, da editora Oxford University Press. Os estudos foram realizados pelo biólogo Daniel Gomes da Rocha, pesquisador associado do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação.
O pesquisador comenta que, entre as espécies de canídeos silvestres brasileiras, o cachorro-vinagre é uma das menos estudadas. De acordo com Daniel, há pouco conhecimento sobe a ecologia da espécie e sobre sua ocorrência. “Os registros de cachorro-vinagre, apresentados no nosso trabalho, reduzem uma enorme lacuna dentro da área de distribuição da espécie na Amazônia Central e incluem a primeira documentação da espécie em floresta sazonalmente alagada por águas pretas (Igapó). Essas informações básicas são essenciais para entender o status de conservação do cachorro-vinagre”, afirmou.
Esse registro inédito contribui pra importantes informações científicas, que corroboram características já descritas para a espécie em outras regiões. Como, por exemplo, de que os animais preferem se deslocar em grupos, que possuem hábitos diurnos e que usam áreas próximas a corpos d’água e distantes de comunidades com população humana. Os animais foram registrados por fotografia em três eventos independentes, dois em áreas de floresta de terra firme e um em florestas de igapó.
O cachorro-vinagre é classificado como “quase ameaçado” pela lista vermelha da International Union for Conservation of Nature (IUCN). No Brasil, a espécie é considerada “vulnerável” pela lista oficial de espécies ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O pesquisador enfatiza que apesar de ter grande área de distribuição, que engloba toda a bacia amazônica, ainda há pouco conhecimento sobre a ecologia do animal.
“Supostamente, a espécie ocorre em toda a Amazônia Brasileira. Porém, a maioria dos registros confirmados estão na periferia do bioma, como Pará e Maranhão. Portando, a ocorrência dessa espécie em vastas áreas da Amazônia Central ainda é hipotética, e precisamos de registros como esses da Reserva Amanã para confirmação de que a espécie de fato ocorre nessas áreas”, reforçou o pesquisador.
Por causa de seu comportamento arisco, há poucos registros do cachorro-vinagre em vida livre. O pesquisador destaca também que a espécie ocorre naturalmente em baixas densidades, e que a difícil logística de pesquisas em campo na Amazônia é outro fato que dificulta a documentação do animal. “Para detectar a espécie é necessário um grande esforço de campo. Em três anos de amostragem, com intensivo uso de armadilhas fotográficas, obtivemos apenas três registros da espécie”, reforçou.
Os dados foram coletados entre os anos de 2013 e 2014, por meio de amostragens no período da seca. Foram instaladas 64 armadilhas fotográficas em diferentes pontos da reserva. O cachorro-vinagre foi o único canídeo silvestre fotografado neste estudo. Outras espécies de carnívoros também foram captadas pelas câmeras, durante as amostragens, como onça-pintada, onça parda, jaguatirica, gato-maracajá, irara e quati. Além de carnívoros, espécies ameaçadas com o tatu-canstra e o tamanduá-bandeira também foram fotografadas.
Mapa divulgado pelo artigo, com a localização das armadilhas fotográficas na Reserva Amanã
Além da perda de habitat, que ameaça o cachorro-vinagre em toda sua área de distribuição, Daniel destaca outras ameaças locais para a espécie. “A gente acredita que as principais ameaças, na nossa área de estudo, são as doenças que podem ser transmitidas por cachorros domésticos. Como o cachorro-vinagre é uma espécie que vive em grupos familiares, se um indivíduo for contaminado, ele pode transmitir a doença para todo o grupo”, comenta o pesquisador.
De acordo com Louise Maranhão, médica veterinária do Instituto Mamirauá, a presença de patógenos na região já foi identificada em outras pesquisas. “A transmissão de doenças entre animais domésticos e silvestres é preocupante. Alguns patógenos comuns a ambos já foram detectados em animais silvestres na região. Já foram detectados, por exemplo, patógenos causadores de algumas doenças como hidatidose, capilariose, toxoplasmose e leptospirose. Conhecer o status epidemiológico dessas populações é importante para prevenir e evitar surtos de doenças e possíveis óbitos”, completou Louise.
Além de Daniel, também assinam o texto do artigo Emiliano Esterci Ramalho, Guilherme Costa Alvarenga e Diogo Maia Gräbin, do Instituto Mamirauá, e William Ernest Magnusson, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Com informações da assessoria / Foto: Marcelo Ismar Santana
Cachorro-vinagre
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